A Caixa



Hoje eu descobri que eu sou uma caixa.
Mas não sou apenas uma caixa comum.
Eu sou eu, essa caixa. 
Cheia de coisas. 
Coisas que foram esquecidas com o tempo, e coisas que merecem ser lembradas de tempo em tempo. 
E é surpreendente entender que sou apenas uma caixa, afinal, quem poderia dizer o contrário?
Tenho meus enfeites, a minha fechadura e a minha chave. 
Meus macetes pra abrir e pra fechar. 
Mas não é o que tenho que faz eu me sentir diferente. 
E sim o que é. 
Às vezes me deixam sentir a luz do sol, e às vezes alguns respingos de chuva molham a minha superfície. 
Mas na maior parte do tempo estou guardado. 
Meu conteúdo permanece intacto. 
Então não ligo tanto para o dano que pode me causar a chuva, ou as manchas que ficam em mim por causa do sol. 
Olhando em torno, descobri que estou num cômodo. 
E não me importo de estar em um lugar. 
Me movem, de lugar em lugar. 
De um cômodo a outro, descobri que estou numa caixa. 
E quando me mostraram a janela, descobri que estava em uma rua. 
Um beco para ser mais preciso. 
Quem sabe em qual cidade ou vila, em qual estado ou província, em qual país ou território, em qual continente ou ilha. 
A janela é a única referência que eu tenho de localidade. 
E como é linda a paisagem lá fora. 
Ouvi dizer que tem um vulcão. 
Que o mar é lindo, nunca fui levado a ele, normalmente as bolsas e as sacolas são sempre levadas lá. Elas estão sempre lá, penduradas, esperando para sair. 
Não as invejo, gosto de ser uma caixa. 
Hoje em dia as pessoas não se importam mais com caixas. 
Então permaneço em tranquilidade, até que alguém curioso venha a descobrir o que está dentro. 
Antigamente as crianças brincavam com as caixas, e criavam modos para fantasias em uma caixa milhões de aventuras. 
Hoje servem apenas para os adultos.
Muito raro ver uma criança brincando com uma. 
Guardo tudo dentro de mim. 
Não importa o quanto tentam me abrir, serei sempre uma caixa. 
O que me conforta é que existem tantas outras caixas por aí. [...] " 

 - A Caixa, por Flávio Cardoso.